Divaldo Franco acolheu 650 filhos mesmo sem ter sido pai biológico
Divaldo Franco, um dos principais nomes do espiritismo no Brasil, faleceu na terça-feira, 13, aos 98 anos.

Embora não tenha tido filhos biológicos, Divaldo deixou uma rica herança afetiva e social, sendo considerado por muitos como um pai para milhares de crianças.
Ele fundou o Centro Espírita Caminho da Redenção em 1947 e a Mansão do Caminho em 1952, criando um grande complexo educacional e assistencial em Salvador, que atualmente conta com 44 edificações. Diariamente, mais de cinco mil pessoas recebem atendimento no local, que se tornou um verdadeiro refúgio para a população carente da região.
Divaldo acolheu 650 crianças em sua trajetória, todas atendidas nas instalações da Mansão do Caminho, onde o médium era afetuosamente chamado de “Tio Divaldo”. À medida que o tempo passou, sua família se expandiu, e, segundo informações da Universidade Federal da Bahia, ele deixa mais de 200 netos e bisnetos.
O trabalho social realizado pela Mansão do Caminho é significativo, atendendo diariamente mais de 3 mil jovens em situação de vulnerabilidade. A continuidade das atividades do centro é garantida em parte pela venda de livros mediúnicos, fitas e DVDs de palestras que Divaldo produziu ao longo de sua carreira. Com suas ações, ele não apenas tocou vidas individuais, mas também contribuiu para o fortalecimento de uma rede de apoio e solidariedade em Salvador.
Divaldo Franco: A Trajetória Completa do Maior Médium e Orador Espírita Brasileiro
Divaldo Pereira Franco deixou um legado incomparável ao movimento espírita mundial e à assistência social no Brasil. Nascido em 5 de maio de 1927 e falecido em 13 de maio de 2025, aos 98 anos, sua jornada de quase um século foi marcada por dedicação incansável à divulgação da doutrina espírita e ao amparo dos mais necessitados. Com mais de 200 livros psicografados em diversas línguas, milhares de palestras em 74 países e um complexo assistencial que atende milhares de pessoas diariamente, Divaldo Franco consolidou-se como uma das figuras mais influentes do espiritismo no Brasil e no mundo.
Origens e Primeiros Contatos com a Mediunidade
Infância e Juventude em Feira de Santana
Divaldo Pereira Franco nasceu em 5 de maio de 1927, na cidade de Feira de Santana, interior da Bahia, em uma família humilde e numerosa. Filho de Francisco Pereira Franco e Ana Alves Franco, foi o sexto de treze irmãos, tendo crescido em um ambiente de simplicidade e dificuldades econômicas, mas cercado de afeto familiar. Desde muito cedo, ainda criança, Divaldo começou a apresentar fenômenos mediúnicos que o assustavam, como a vidência de espíritos.
Aos quatro anos de idade, o pequeno Divaldo já conversava com sua bisavó, falecida anos antes de seu nascimento. Estes episódios causavam estranheza em sua família católica, que não compreendia o que acontecia com o menino. “Eu via e conversava com pessoas que os outros não viam. Isso me causou muitos problemas na infância”, relatou em várias entrevistas ao longo de sua vida. Em sua cidade natal, chegou a ser considerado portador de problemas mentais devido às suas visões espirituais.
Descoberta do Espiritismo e Desenvolvimento Mediúnico
Foi apenas aos 13 anos, em 1940, que Divaldo Franco teve seu primeiro contato formal com o espiritismo, através do vizinho Elídio Teles, que lhe emprestou o livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo” de Allan Kardec. A leitura dessa obra foi reveladora para o jovem, que finalmente encontrou explicações para seus fenômenos mediúnicos. “Quando li aquele livro, descobri que não era louco. Foi como encontrar-me comigo mesmo”, declarou em palestras posteriores.
Aos 20 anos, Divaldo mudou-se para Salvador, onde começou a frequentar o Centro Espírita Caminho da Redenção. Foi nesse período que conheceu sua mentora espiritual, Joanna de Ângelis, entidade que o acompanharia pelo resto de sua vida e seria responsável pela psicografia de dezenas de livros. O desenvolvimento de sua mediunidade ocorreu de forma gradual, mas intensa, manifestando-se principalmente através da psicografia, psicofonia e da vidência.
A Construção de uma Obra Social Transformadora
Fundação do Centro Espírita Caminho da Redenção
Em 7 de setembro de 1947, aos 20 anos, Divaldo Franco fundou o Centro Espírita Caminho da Redenção em Salvador, Bahia. O centro iniciou suas atividades em uma pequena sala alugada no bairro de Itapagipe, com poucos frequentadores. As dificuldades iniciais eram enormes, mas a perseverança de Divaldo e o apoio de amigos, como Nilson de Souza Pereira, permitiram que o trabalho ganhasse corpo e se expandisse gradativamente.
O centro espírita tornou-se um local não apenas de estudos doutrinários, mas também de atendimento fraterno e assistência aos necessitados, refletindo a máxima kardequiana de que “fora da caridade não há salvação”. Com o passar dos anos, as atividades se multiplicaram, incluindo passes, desobsessão, atendimento espiritual e assistência material às famílias carentes da região.
A Mansão do Caminho e seu Impacto Social
Em 1952, cinco anos após a fundação do Centro Espírita, Divaldo Franco deu início ao projeto mais ambicioso de sua trajetória: a Mansão do Caminho. O projeto nasceu quando uma senhora humilde, impossibilitada de criar seu filho recém-nascido, entregou-o aos cuidados de Divaldo. Este foi o primeiro de centenas de crianças que seriam acolhidas por ele ao longo das décadas seguintes.
A Mansão do Caminho começou em um terreno de 78 mil metros quadrados, no bairro de Pau da Lima, em Salvador. O que inicialmente era apenas um abrigo para crianças abandonadas transformou-se, ao longo de sete décadas, em um complexo assistencial e educacional de proporções impressionantes. Hoje, o complexo conta com 44 edificações distribuídas em uma área de mais de 80 mil metros quadrados, incluindo escolas, creches, oficinas profissionalizantes, ambulatórios médicos e odontológicos, centros de formação profissional e moradias.
O modelo assistencial desenvolvido por Divaldo Franco foi revolucionário para sua época, pois em vez de simplesmente abrigar crianças em um orfanato tradicional, ele criou o sistema de “Casas-Lares”, onde as crianças eram acolhidas em unidades residenciais sob os cuidados de mães substitutas, recriando um ambiente familiar. “Não queríamos criar institucionalizados, mas cidadãos plenos, com a experiência de uma família”, explicava Divaldo sobre seu método.
A Voz do Espiritismo no Mundo
O Orador Incansável
Paralelamente ao trabalho social, Divaldo Franco desenvolveu uma notável carreira como orador espírita. Sua primeira palestra pública foi realizada em 1947, na cidade de Aracaju, Sergipe, em uma época em que o espiritismo ainda enfrentava grande preconceito no Brasil. Dotado de oratória eloquente e profundo conhecimento doutrinário, rapidamente se destacou como um dos mais importantes conferencistas espíritas do país.
A partir da década de 1960, Divaldo expandiu suas atividades para o exterior, realizando palestras inicialmente em países da América Latina e, posteriormente, em todos os continentes. Em sua extensa carreira como orador, visitou 74 países e proferiu mais de 15 mil palestras, abordando temas espíritas, filosóficos, psicológicos e sociais. Suas conferências atraíam multidões, tanto de espíritas quanto de pessoas interessadas em espiritualidade e autoconhecimento.
Reconhecimento Internacional e Acadêmico
O trabalho de Divaldo Franco como divulgador do espiritismo e humanitário recebeu reconhecimento mundial. Foi conferencista em diversos fóruns internacionais, incluindo a ONU e a UNESCO. Recebeu centenas de títulos honoríficos, como o de Cidadão Honorário em mais de 800 cidades brasileiras e estrangeiras. Universidades de diversos países concederam-lhe títulos de Doutor Honoris Causa, reconhecendo sua contribuição ao pensamento humanístico contemporâneo.
Em 2012, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) criou o “Acervo Divaldo Franco”, um núcleo de documentação e pesquisa dedicado à preservação e estudo de sua obra e trajetória. Este reconhecimento acadêmico foi especialmente significativo, pois legitimou a importância histórica e cultural de seu trabalho em um ambiente universitário.
Produção Literária e Contribuição Intelectual
A Vasta Obra Psicográfica
Como médium psicógrafo, Divaldo Franco produziu uma das mais extensas obras da literatura espírita mundial. Ao longo de sua vida, psicografou mais de 250 livros, atribuídos a diversos espíritos, com destaque para sua mentora espiritual Joanna de Ângelis. Esses livros foram traduzidos para 17 idiomas e publicados em 33 países, com milhões de exemplares vendidos, cujos direitos autorais foram integralmente destinados à manutenção das obras assistenciais da Mansão do Caminho.
A obra psicográfica de Divaldo abrange diversos gêneros e temáticas, incluindo romances históricos, estudos filosóficos, análises psicológicas e mensagens evangélicas. Entre os títulos mais conhecidos estão “Messe de Amor”, “Plenitude”, “Momentos de Saúde” e “Adolescência e Vida”. A série “Estudos Psicológicos”, psicografada por Joanna de Ângelis, é considerada uma importante contribuição para a interface entre espiritismo e psicologia profunda.
A Psicologia Transpessoal Espírita
Um dos aspectos mais inovadores da obra mediúnica de Divaldo Franco foi o desenvolvimento do que ficou conhecido como “Psicologia Transpessoal Espírita”, uma abordagem que integra conceitos da psicologia moderna com os princípios espíritas. Através dos livros psicografados por Joanna de Ângelis, Divaldo apresentou análises profundas sobre o comportamento humano, transtornos psicológicos e processos de autoconhecimento sob uma perspectiva espiritual.
Esta contribuição teórica estabeleceu pontes entre o espiritismo e a psicologia acadêmica, influenciando pesquisadores e profissionais da saúde mental. “A obra de Joanna de Ângelis psicografada por Divaldo Franco representa um avanço significativo na compreensão da psique humana sob a ótica espírita”, afirmam pesquisadores da área, reconhecendo o valor desta produção para além do círculo religioso.
Legado e Continuidade
Dimensão do Impacto Social
O trabalho social iniciado por Divaldo Franco atingiu proporções extraordinárias ao longo de seus mais de 70 anos de existência. Cerca de 650 crianças foram adotadas e criadas diretamente por ele, gerando uma descendência de mais de 200 netos e bisnetos. Além disso, a Mansão do Caminho já atendeu mais de 33 mil crianças e adolescentes em seus programas educacionais e assistenciais ao longo de sua história.
Atualmente, o complexo atende diariamente cerca de 3 mil jovens em situação de vulnerabilidade e oferece mais de 5 mil atendimentos em suas diversas áreas de atuação. As oficinas profissionalizantes da instituição já formaram milhares de jovens em diversas profissões, contribuindo para a quebra do ciclo de pobreza em uma das regiões mais carentes de Salvador.
A Continuidade do Trabalho
Preocupado com a perpetuação de sua obra, Divaldo Franco estruturou cuidadosamente a gestão da Mansão do Caminho e do Centro Espírita Caminho da Redenção. Criou uma diretoria composta por pessoas comprometidas com os princípios que nortearam seu trabalho, muitas delas crianças que foram acolhidas e educadas na própria instituição. Esta estrutura organizacional garante que o trabalho continue após sua partida física.
A sustentabilidade financeira das obras assistenciais foi assegurada através da doação dos direitos autorais de seus livros psicografados e da criação de uma editora própria, a Leal Editora, responsável pela publicação e distribuição de suas obras. Este modelo de autofinanciamento tem garantido a manutenção dos projetos assistenciais independentemente de recursos públicos ou grandes doações.
Impacto no Movimento Espírita
Renovação e Modernização do Espiritismo
A atuação de Divaldo Franco contribuiu significativamente para a modernização e expansão do movimento espírita no Brasil e no mundo. Seu estilo carismático de comunicação e sua abordagem integrativa, que dialogava com a ciência contemporânea, atraiu novos públicos para o espiritismo, especialmente jovens e intelectuais.
Como divulgador, Divaldo soube adaptar a linguagem espírita para diferentes contextos culturais, o que facilitou a internacionalização da doutrina. Suas palestras em universidades, hospitais e fóruns científicos abriram espaços até então inacessíveis ao pensamento espírita, contribuindo para reduzir preconceitos e ampliar o diálogo inter-religioso.
O Modelo de Espiritismo Engajado
O exemplo de Divaldo Franco consolidou um modelo de espiritismo socialmente engajado, no qual a vivência doutrinária não se restringe ao estudo teórico ou às práticas mediúnicas, mas se manifesta concretamente através da transformação social. Este modelo influenciou centenas de instituições espíritas que passaram a desenvolver projetos sociais inspirados na experiência da Mansão do Caminho.
“O verdadeiro espírita não é aquele que apenas conhece a doutrina, mas aquele que a vive em sua plenitude, convertendo o conhecimento em serviço ao próximo”, afirmava Divaldo em suas palestras, sintetizando sua filosofia de vida e seu entendimento da mensagem espírita.
Conclusão
A trajetória de Divaldo Franco representa um dos mais notáveis exemplos de dedicação ao próximo e espiritualidade vivenciada no Brasil contemporâneo. Do menino incompreendido de Feira de Santana ao reconhecido líder espiritual com atuação global, sua vida foi marcada pela coerência entre discurso e prática, pela incansável disposição para o trabalho e por um profundo amor à humanidade.
O legado deixado por Divaldo Franco transcende as fronteiras do movimento espírita e se inscreve na história social brasileira como um exemplo de como a espiritualidade pode ser motor de transformação individual e coletiva. A Mansão do Caminho representa não apenas uma instituição assistencial, mas um laboratório vivo de fraternidade e responsabilidade social que continuará inspirando gerações futuras.
Seu falecimento aos 98 anos marca o fim de uma era para o espiritismo brasileiro, mas o impacto de seu trabalho continuará reverberando através das milhares de vidas transformadas por sua influência direta e pelo exemplo de dedicação ao bem comum que soube cultivar ao longo de quase um século de existência terrena.