Redes da Maré realiza trabalho inovador e serve de referência na redução de danos no uso de drogas no RJ.

Um forte sentimento de constrangimento tomou conta da autora ao chegar a uma área de uso de crack no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Ela havia almoçado nas proximidades e, distrai-se, ainda carregava uma garrafa de água com gás. Naquela sexta-feira, as consequências da chuva da noite anterior e as operações policiais eram visíveis. As ruas estavam alagadas, cobertas por uma água marrom-esverdeada, refletindo a bandeira do Brasil em meio a um cenário desolador.
A autora trabalha com educação e políticas sobre drogas, além de pesquisar a regulamentação da cannabis. Seu convite para visitar o projeto Redes da Maré veio do Dr. Carl Hart, um respeitado professor da Universidade de Columbia, especialista no tema. Ele é considerado um padrinho do projeto e realiza visitas periódicas.
No local, os colaboradores estavam animados com a chegada de Hart. O espaço estava ocupado por pessoas assistindo a filmes, descansando ou realizando tarefas de manutenção. Após horas de explicações sobre o projeto, a autora ficou impressionada com o trabalho desenvolvido no Espaço Normal, uma das várias iniciativas voltadas para o tema das drogas na Maré, beneficiando mais de 140 mil moradores do complexos de favelas.
O projeto envolve mais de 300 profissionais, a maioria residentes da Maré, que constroem alternativas para questões de políticas públicas que deveriam ser adotadas em todo o país. A autora notou que, a despeito de políticas de drogas retrógradas, o projeto se destaca como uma iniciativa propositiva.
Durante um momento de descontração, Carl Hart jogou pingue-pongue com moradores, enquanto uma colaboradora, que se identificou como uma “redutora de danos”, apresentou seus escritos sobre o espaço que frequentam, ressaltando a importância do respeito e do amor entre as pessoas.
A visita à “sena de uso” – também referida de forma pejorativa como “cracolândia” – trouxe novas reflexões. A autora escutou música de uma famosa cantora brasileira, que falava sobre o cotidiano e a realidade das pessoas que ali vivem. Um morador apresentou seu álbum de fotografias, compartilhando memórias familiares e conquistas pessoais.
Por outro lado, a autora percebeu a precariedade da infraestrutura local, com barracos improvisados e áreas alagadas. Um prédio desocupado nas proximidades acendeu uma reflexão sobre a falta de moradia, num cenário onde existem milhões de imóveis vagos no país. A realidade do Complexo da Maré é complexa e desafiadora, envolvendo diversas questões sociais e políticas.
Os moradores enfrentam problemas graves, como a falta de saneamento básico. Dados recentes mostram que muitas pessoas no país vivem sem acesso a água potável e coleta de esgoto. A autora estava ciente de que a questão da saúde e sobrevivência é frequentemente negligenciada pelo sistema.
Enquanto tentava se desfazer da garrafa de água, observou a gravidade do acúmulo de lixo nas ruas e o esforço constante dos colaboradores do projeto para que a coleta de resíduos ocorra regularmente. Outra atividade do projeto se seguiu, possibilitando à autora um momento de reflexão enquanto escutava diferentes estilos musicais que pairavam no ar.
O foco da sua preocupação se mudou das drogas em si para a falta de moradia e saneamento adequado. A combinação desses fatores, junto com a violência estatal, aumenta os riscos para a população local.
Investigações revelaram que bilhões são gastos anualmente em repressão relacionada a drogas, refletindo falhas nas políticas implementadas. Essas práticas geram lucro para poucos, enquanto muitas vidas são afetadas negativamente.
A experiência no Complexo da Maré trouxe à autora uma nova visão sobre a importância do trabalho da Redes da Maré. O projeto é uma tentativa concreta de promover autonomia e acolhimento, sem estigmatizar ou punir o uso de substâncias.
Ela saiu do local com a garrafa cheia, absorvendo a realidade que presenciou e as propostas oferecidas pela Redes da Maré. Apesar dos desafios enfrentados, a iniciativa se destaca como uma possibilidade de mudança significativa e uma alternativa viável no conceito de políticas sobre drogas no país. A realidade do Complexo da Maré é complexa, repleta de desafios, mas também de amor e esperança.