Morre Mino Carta, jornalista que desafiou o poder no Brasil

Mino Carta, fundador e diretor de redação da revista CartaCapital, faleceu na terça-feira, 2 de outubro, aos 91 anos. O jornalista enfrentou problemas de saúde ao longo do último ano, passando várias vezes pelo hospital. Na semana anterior à sua morte, ele estava internado na UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
A trajetória de Mino Carta é marcada por contribuições significativas ao jornalismo brasileiro. Com apenas 27 anos, ele recebeu o convite de Victor Civita para dirigir a revista Quatro Rodas, mesmo sem experiência na área. A partir desse momento, Mino revelou seu talento e se destacou em várias publicações influentes, como Veja, lançada em 1968, IstoÉ, em 1976, e CartaCapital, em 1994. Ele também foi um dos fundadores do Jornal da Tarde em 1966, que se destacou por suas inovações na diagramação e na qualidade das reportagens.
Mino Carta ficou conhecido por sua resistência à nova tecnologia e seu apego à máquina de escrever Olivetti. Ele frequentemente criticava o impacto da revolução digital no jornalismo, ressaltando que a profissão deveria buscar a verdade de maneira corajosa e independente. Sincero em suas reflexões, Mino expressou desânimo em relação ao futuro do Brasil, citando a persistência de ideais ultrapassados.
Nascido em Gênova, Mino Carta era de uma família com tradição jornalística. Seu avô, Luigi Becherucci, foi diretor de um jornal em Gênova, e seu pai, Giannino, foi preso durante o regime fascista de Mussolini, mas conseguiu escapar. Depois da Segunda Guerra, a família se mudou para o Brasil, onde Giannino não pôde assumir o cargo na Folha de S. Paulo devido a questões legais.
A paixão de Mino pelo jornalismo começou cedo, aos 16 anos, quando escreveu para jornais italianos sobre a Copa do Mundo a pedido de seu pai. A experiência o fez perceber que poderia encontrar felicidade escrevendo. Após algumas dificuldades acadêmicas, Mino se destacou em várias publicações, entre elas a Gazetta del Popolo, na Itália, e ao fazer a versão brasileira da revista Quattroruote.
A revista Quatro Rodas rapidamente se tornou um sucesso, atraindo anúncios da indústria automobilística. O reconhecimento no setor levou Mino a trabalhar na editoria de Esportes do Estadão, onde inovou na linguagem e diagramação. Quando foi convidado para criar Veja, Mino insistiu em que os proprietários da editora aceitassem discutir a publicação após sua impressão.
Após sua saída da Veja, trabalhou como colunista na Folha de S. Paulo, antes de ser convidado para fundar IstoÉ. A revista foi a primeira a entrevistar Luiz Inácio Lula da Silva, na época um dos líderes do movimento sindical. Mino também teve uma breve passagem pelo Jornal da República, que, apesar de um time de jornalistas talentosos, não conseguiu se sustentar e fechou em apenas cinco meses.
Os anos de ditadura militar trouxeram desafios a Mino e suas publicações. Em sua primeira edição de Veja, a capa causou controvérsia com uma ilustração que criticava a União Soviética, e outras matérias incitaram a ira do regime militar. Mino foi interrogado por agentes do governo, mas sempre defendeu a liberdade de imprensa de forma incisiva.
Em 1994, Mino co-fundou CartaCapital, que se tornou uma das publicações mais respeitadas do Brasil. Desde o início, a revista buscou seguir princípios de honestidade, crítica e vigilância em relação ao poder. Publicações emblemáticas abordaram temas relevantes, como as investigações sobre o escândalo do BNDES e as acusações contra autoridades em ações de combate à corrupção.
Apesar das inúmeras histórias na imprensa, Mino sempre rejeitou a ideia de escrever uma autobiografia, preferindo expressar suas memórias em romances como Castelo de Âmbar e A Sombra do Silêncio. Ele deixou um legado notável como um dos mais influentes jornalistas brasileiros.