Igrejas evitam abordar suicídio em suas comunidades

Setembro é um mês importante no Brasil, marcado pela campanha “Setembro Amarelo”, que começou em 2015. Essa iniciativa busca sensibilizar a sociedade sobre a saúde mental e a prevenção do suicídio. Contudo, em muitas igrejas evangélicas, o assunto ainda é considerado um tabu. Essas comunidades costumam discutir temas como prosperidade, política e família, mas falam pouco sobre a questão do suicídio.
A tradição de muitas igrejas evangélicas no Brasil é centrada na celebração e nas vitórias proporcionadas pela fé. Mensagens sobre superação e respostas a orações predominam, enquanto a realidade do suicídio escapa desse discurso otimista. Quando alguém opta por tirar a própria vida, isso revela um sofrimento profundo, contradizendo a ideia de que a fé sempre traz felicidade.
Embora a Bíblia não aborde o suicídio de maneira direta, a tradição cristã procura compreender o tema. Santo Agostinho argumentou que o mandamento “não matarás” se aplica também a si mesmo. Tomás de Aquino reforçou essa posição, afirmando que o suicídio rompe com os laços da vida e desafia a soberania de Deus. Por outro lado, reformadores como Lutero e Calvino reconheceram a gravidade do ato, mas trouxeram uma visão de que até mesmo o suicídio está sob a misericórdia de Deus.
Essa discussão gera um dilema nas comunidades religiosas. Durante conversas com pastores, percebe-se um silêncio constrangedor. Muitos acreditam que condenar o suicídio possa parecer insensível para as famílias que já enfrentam dor. Ao mesmo tempo, demonstrar compreensão pode ser visto como uma forma de conivência. Assim, muitos preferem o silêncio, porém, essa opção pode ignorar a dor que não é expressa.
O silêncio não é uma escolha neutra e apenas amplia a solidão de quem sofre. Ao não discutir o suicídio, as igrejas falham em oferecer apoio para aqueles que têm pensamentos suicidas e para as famílias afetadas por essa tragédia. Esse silêncio alimenta o isolamento, fazendo com que muitos se sintam incapazes de se abrir sobre suas vulnerabilidades.
Certa vez, uma frequentadora da igreja me contou sobre a morte de seu sobrinho de 27 anos, que se suicidou. Sua maior preocupação naquele momento era como a igreja reagiria à notícia, o que deveria ser a última coisa em sua mente em meio à dor. Esse fato ilustra o receio que muitos têm ao abordar o tema.
Discutir o suicídio nas igrejas é um desafio. Isso envolve reavaliar discursos, acolher incertezas e reconhecer falhas. No entanto, essa é uma oportunidade vital para mostrar que a fé não ignora a dor, mas busca transformá-la em um espaço de acolhimento.
A Bíblia apresenta personagens como Moisés, Elias, Jonas e Jó, que em algum momento desejaram a morte. Nenhum deles foi rejeitado; ao contrário, foram acolhidos em seus momentos de fragilidade. Embora existam relatos de suicídio, a Bíblia não discute o destino eterno dessas pessoas.
Diante de tragédias como o suicídio, o foco deve ser em oferecer compaixão aos que ficam. As razões que levam uma pessoa a essa decisão podem ser variadas, incluindo problemas de saúde mental, dor emocional intensa e contextos de solidão ou perda. Isso não se resume à fé, mas reflete uma dor psíquica tão profunda que a pessoa não vê outra saída.
O Setembro Amarelo pode servir como um momento para as igrejas revisarem suas abordagens e práticas, enfrentando o desconforto de discutir o suicídio e superando discursos simplistas. A relevância das comunidades religiosas depende de sua capacidade de oferecer um ambiente em que a dor possa ser verbalizada, onde a ajuda possa ser buscada e a vida, em sua complexidade, possa ser cuidada.
Uma forma de promover essas discussões é participar do evento “Conversas Difíceis”, que ocorrerá no dia 11 de setembro, às 19h, no espaço Civi-co, em São Paulo. O evento contará com a presença de um teólogo, um sociólogo e a mãe de uma vítima de suicídio, que discutirão como as igrejas acolhem famílias que passam por essa circunstância e como lidam com o suicídio entre seus líderes. A programação será transmitida pela internet, proporcionando mais acessibilidade à discussão.
Além disso, quem procura apoio pode encontrar recursos úteis. O Instituto Vita Alere oferece grupos de apoio e cursos sobre prevenção de suicídio. A Abrases fornece materiais informativos e indica grupos de apoio por todo o país. O CVV é um serviço gratuito que oferece acolhimento emocional e prevenção do suicídio, disponível pelo telefone 188 e por meio de sua plataforma online.