Automotivo

Fiat Mille e o início dos motores 1.0 há 35 anos

Em 1990, o Brasil vivia um momento bastante agitado. Com a posse de Fernando Collor como o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois da ditadura, a expectativa de mudanças pairava no ar. Mas as coisas não eram tão simples — a hiperinflação dominava o dia a dia e, para piorar, houve o famoso confisco das poupanças. Porém, havia um brilho de esperança. O mercado se reabriria para importações e o setor automobilístico prometia modernização.

Enquanto isso, na música, o rock nacional dava seu show com bandas como Barão Vermelho, e o sertanejo começava a ganhar espaço com duplas como Leandro e Leonardo. E claro, quem não se lembra do Ayrton Senna, conquistando o bicampeonato mundial de Fórmula 1 em Suzuka? Uma verdadeira paixão nacional em meio a um país buscando recomeços e conquistas.

Collor e o primeiro 1.0

Com a reabertura das importações, as montadoras brasileiras ficaram surpresas. Elas estavam acostumadas a trabalhar em um mercado protegido, e as críticas ao governo foram diretas, com Collor se referindo a carros fabricados no Brasil como “carroças”. Curiosamente, a primeira marca a se aventurar nessa nova fase foi a russa Lada, trazendo modelos que nem de longe estavam atualizados.

Para tentar amenizar a situação, o governo lançou incentivos para veículos com motor 1.0, reduzindo impostos e estimulando a produção de modelos mais em conta. Foi nesse cenário que a Fiat viu sua chance de brilhar novamente com o lançamento do Uno Mille.

Até então, o único incentivo fiscal era para motores de até 800 cm³, que na prática beneficiava mais a Gurgel. Essa menor fabricante, que usava motores derivados da linha Fusca, lançou o BR-800 — o primeiro carro 100% nacional, no qual se pagava apenas 5% de IPI.

Com a nova redução para os 1.0, a Fiat foi rápida e apresentou o Mille, que competia confortavelmente com o BR-800, aproveitando sua vasta rede de vendas e seu projeto já consagrado. Essa mudança marcava o início do que muitos chamariam de ‘desaparecimento’ do carro genuinamente nacional, que até então carregava a simplicidade em seu DNA.

Falando nas características do Mille, esse carrinho passou por um regime de “emagrecimento” e perdeu itens como ajuste de bancos e saída de ar no painel, que eram tampadas. Ele chegava ao mercado modestamente equipado, mas com aquele espírito de carro novo, acessível para muitos brasileiros que finalmente fariam a transição de andar de ônibus para ter seu próprio zero-quilômetro.

Na motorização, ele contava com um 1.0, que tinha suas raízes no Fiat 147. A potência era de 48,5 cv, o que fazia o carro levar cerca de 21 segundos para chegar aos 100 km/h. Enquanto isso, o Uno 1.6R, mais potente, fazia a mesma prova em apenas 11 segundos. Apesar disso, o Mille tinha seu charme: era um carro novo e acessível, permitindo que muitos brasileiros realizassem o sonho do primeiro automóvel.

Dois irmãos

A conversa sobre o fim do Uno começou em 1997, logo após o lançamento do Palio, que tinha um design mais moderno. Mesmo assim, a Fiat decidiu manter o Uno na concorrência, lançando novas versões para mantê-lo relevante. Foi o caso da nomenclatura SX, que trouxe motor 1.0 com injeção eletrônica com 58 cv, um incremento bem-vindo em relação ao Mille.

Lançado em 1997, o Mille Young tinha um diferencial bacana com revestimentos exclusivos, painel com fundo branco e até pneus mais robustos. A Fiat, astuta, se viu com dois produtos de sucesso ao mesmo tempo. O Palio era escolhido por quem queria novidades e sofisticação, enquanto o Mille mantinha seu público fiel, composto por motoristas que priorizavam praticidade e economia.

Motor Fire

Chegamos a 2001 com a chegada do motor 1.0 Fire, que deu uma nova cara e performance ao Mille. Os 55 cv e a leveza na casa dos 800 kg garantiam que o carro permanecesse ágil na correria urbana. Não era raro ver um Mille rodando pelas ruas com a famosa escada no teto, sempre cumprindo seu papel de guerreiro nas cidades.

Em 2004, o Mille passou por uma reestilização significativa. A Fiat fez questão de atualizar o visual, trocando a frente para dar um ar menos ultrapassado. Faróis maiores e uma grade de abertura ampla trouxeram um novo fôlego, mesmo que ainda houvesse quem sentisse falta do design mais quadradinho e carismático.

No auge de sua carreira, o Mille se adaptou às novas necessidades com a motorização flex em 2006. Agora, tinha 65 cv com gasolina e 66 com etanol, dando um gás extra na cidade e prolongando sua presença no mercado. Surgiu também a versão Way, que tinha a suspensão elevada e era mais robusta para encarar buracos e estradas de terra. Uma opção prática para quem vivia ou trabalhava em áreas mais rurais.

Em 2009, novas mudanças ocorreram, criando a versão Economy, voltada para a eficiência. O carro ganhou emblemas vermelhos e um adicional no painel: um econômetro, que ajudava os motoristas a economizar combustível. Uma boa jogada para esses tempos em que todos estavam buscando melhorias na conta do tanque.

Grazie, Mille!

No início dos anos 2010, a Fiat era a marca que tinha o portfólio mais variado de hatchbacks, com o Mille ainda firme e forte, mas a nova geração do Uno já estava no horizonte. Infelizmente, em 2013, o Mille deu adeus. As novas regras de segurança não permitiram que o modelo se mantivesse atual, pois exigiam equipamentos que ele não tinha.

Para se despedir, a Fiat lançou a edição especial Grazie Mille, recheada de itens e uma cor bem marcante. Contudo, mesmo após tantos anos, nenhum modelo da linha conseguiu repetir o carisma do Uno. A marca hoje segue focada em SUVs, mas quem sabe um dia, um novo modelo possa homenagear esse clássico que marcou gerações nas estradas brasileiras.

Editorial Noroeste

Conteúdo elaborado pela equipe do Folha do Noroeste, portal dedicado a trazer notícias e análises abrangentes do Noroeste brasileiro.

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